23 feb 2011

O Direito ao Ócio e à Expropriaçom Individual


Briand era o pseudónimo que utilizara Severino di Giovanni para assinar este artículo na revista anarquista de Montevideo "Afirmación", mas o original fora escrito em italiano e publicado em New York pola revista "L’Aldunata dei Refrattari", umha das revistas anarquistas insurrecçonaies mais importantes na altura. A continuaçom oferecemos o texto na sua versom galega:



Tu que fas um trabalho do que gostas, que têns umha ocupaçom independente e a quem o jugo do patrom nom molesta maiormente; tu também que te submetes resignado ou cobarde na tua qualidade de explorado: como te atreves a condenar assim, tam severamente, a aqueles que se passarom ao plano do ataque contra do inimigo? Umha so coisa queremos-te dizer: “Silêncio!”, por honestidade, por dignidade, por fereza. – Nom sintes o sofremento deles? Cala! – Nom tês a audácia deles? Entom, outra vez cala! Cala, porque tu nom conheces as torturas dum trabalho e dumha exploraçom que se odiam.

Desde há muito tempo vem-se reclamando o direito ao trabalho, o direito ao pam, e, francamente, no trabalho estamos embrutecendo-nos. Nom somos mais que lobos na procura de trabalho, – dum trabalho duradeiro, fijo – e à sua conquista encaminham-se todos os nossos afáns. Estamos na pesca contínua, obsesionante do trabalho. Esta preocupaçom, esta obsessom oprime-nos, nom nos abandona nunca. E nom é que se ame ao trabalho. À contra, odiamo-lo, maldizemo-lo: o qual nom impede que o soframos e que o persigamos por todas partes. E entanto imprecamos na sua contra, maldizemos também porque se nos vai, porque é inconstante, porque nos abandona – depois dum breve tempo: seis meses, um mês, umha semana, um so dia. E umha vez transposta a semana, passado o dia, a busca começa de novo com toda a humilhaçom que ela entranha para nossa dignidade de homes; com o escárnio que implica às nossas fames: com a mofa moral do nosso orgulho de indivíduos conscientes deste ultraje, relajándo-nos e pisando os nossos direitos rebeldes, de anarquistas.

Nos, anarquistas, sentimos a humilhaçom desta luita para fugir do fame e sofremos a ofensa de ter que mendigar um anaco de pam que nos é concedido de quando em quando como umha esmola e a condiçom de renegar ou pôr no sobrado dos trastes inutis o nosso anarquismo (se nom queredes usar méios ilegais para defender o vosso direito à vida, so vos ficará como lugar de repouso o cemitério), e sofremos mais, porque temos consciência da injustiça que se realiza na nossa contra. Pero onde se agranda o nosso sofremento até adquirir caracteres trágicos, é ao desentranhar a vergonhosa comédia da falsa piedade que se desenvolve ao nosso redor, mordendo-nos os lábios de raiva pola nossa impotência e também por sentir-nos um pouco viles – vileza ás vezes justificada, pero que case sempre nom tem justificaçom algumha fronte a esta iníqua e cínica hipocrisia que nos fai passar a nos, trabalhadores, como os beneficiados, quando somos os benefactores; que nos coloca em situaçom de mendigos a quem se lhe quita a fame por misericórdia, entanto que, na realidade, somos nos quem damos de comer a todos os parásitos e procuramos-lhes o benestar do que gozam; somos nos quem consumimos as nossas vidas, entre os horrores das privaçons, para saturar de goces as deles, para permitir as suas expansions, os seus placeres, – o seu ócio, – tendo conciência do despojo a que se nos submete. Quere proibir-se-nos até poder sorrir ante as maravilhas da natureza, porque se nos considera como instrumentos, nada mais que como instrumentos para embelecer a sua vida parasitária.

Sasha continuou em russo. Estava orgulhoso de que os seus companheiros foram tidos em tam alta estima dijo; pero, por qué há anarquistas nos cárceres soviéticos?
“Anarquistas? - Interrumpeu Ilich - Tontarias! Quém lhe contou issos contos e como é que crê nelos? Nas prisions há bandidos, e maknovistas, pero nom anarquistas ideini
[NdE: reconhecidos polo regime como representantes dumha teoria política aceptável].
- Mirade - exclamei - a América capitalista divide também aos anarquistas em duas categorias: os filósofos e os criminais. Os primeiros som aceitados por todas partes, incluso um deles forma parte do governo de Wilson. Os outros, aos que temos a honra de pertencer, som encarcerados e perseguidos. Entom fazedes vos a mesma distinçom?
Emma Goldman, Vivendo minha vida, 1932


Caemos na conta de toda a insensatez dos nossos afans; sentimos o trágico, milhor dito o ridículo da nossa situaçom: imprecamos, maldizemos, sabemo-nos loucos e sentimo-nos viles, pero ainda continuamos baixo a influência (como qualquer mortal) do ambiente que nos circunda, que nos envolve numha malha de frívolos desejos, de mesquinhas ambiçons de “pobres cristos” que crem melhorar um pouco as suas condiçons materiais, tentando arrincar dentre os dentes dos lobos – dos que possuem e defendem a riqueza – umha migalha de pam que nom se consegue mais que ao elevado preço da nossa carne e do nosso sangue deixado nos engrenagens do mecanismo social.

E, ao nosso pesar, por necessidade ou sugestom colectiva, deixamo-nos arrastrar polo torvelinho da loucura comum. E rotas, em nos, as forças que nos mantém íntegros na nossa consciência que ve claro nas coisas e sabe que nom lograremos nunca por este caminho destroçar as cadeias que nos mantenhem escravos, porque nom se destrue a autoridade colabourando com ela, nem se disminue o poder ofensivo do capital ajudando a acumula-lo com o nosso trabalho, com a nossa produçom; rotas estas resistências, dizia, começamos a acelerar o passo e bem pronto veloz carreira, louca carreira sem sentido nem final, que nom nos conduz mais que a soluçons transitórias, sempre vas e inutis.

Que dizer? Ávidos de ganância? Sugestom do ambiente? Insensatez? De todo um pouco, ainda que bem sabemos que com o nosso trabalho, baixo as condiçons do sistema capitalista, nom resolveremos nengum problema essencial das nossas vidas, salvo raros casos particulares e condiçons especiais.

Cada aumento da nossa actividade no presente sistema social nom tem um outro resultado que um aumento da exploraçom no nossa dano. Impostores som quem afirmam que a riqueza é fruito do trabalho, do trabalho honesto, individual.

Passemos adiante. Para qué deterse a rebater os sofismas de certas teorias económicas que nom som sinceiras nem honradas e que so convencem aos pobres de espíritu – desgraçadamente som a maioria da sociedade, – que nom perseguem umha outra finalidade que a de cobrir torpes intereses com a apariência da legalidade e do direito? Todos vos sabedes que o trabalho honrado, o trabalho que nom explora a outros, nom tem criado numca, no presente sistema, o benestar de pessoa algumha nem muito menos a sua riqueza, dado que ésta é o fruito da usura e da exploraçom, as quais nom se diferenciam do crime mais que nas formas exteriores. Despois de todo, nom nos interesa um relativo benestar material obtido pola extenuaçom dos nossos músculos e do nosso cerebro: queremos, sim, o benestar adquirido pola possessom completa, absoluta do produto do nosso esforzo, a possessom incontrastável de todo aquelo que seja criaçom individual.

Estamos, entom, consumindo as nossas existências a total benefício dos nossos exploradores, perseguindo um benestar material ilusório, eternamente fugitivo, jamais realizável numha forma concreta, estável, porque a libertaçom da escravitude económica nom nos poderá chegar por méio dum aceleramento da nossa actividade na producçom capitalista, senom com a criaçom consciente, útil, e com a possessom do que se produce.

É falso dizer: “umha boa recompensa, um bo salário por umha boa jornada de trabalho”. Confesa esta frase que devem existir quem producem e quem se adonam do produto, e que depois de ter quitado umha boa parte para eles – ainda nom tido participado na sua criaçom – distribuem, em base de critério e princípios absurdos, enteramente arbitrários, aquilo que crem convinte dar-lhe ao verdadeiro produtor. Estabelece a retribuçom parcial, o roubo, a injustiça: consagra, polo tanto, de feito, a exploraçom.

O produtor nom pode aceitar como base equitativa e justa a retribuçom parcial. Somente a possessom integra pode estabelecer as bases da Justiça Social. Por consequência, todo concurso nosso à producçom capitalista é um consentimento e umha submissom à exploraçom que se ejerce sobre nos. Cada aumento de producçom é um remache mais para as nossas cadeias, é agravar a nossa escravitude.

Quanto mais trabalhamos para o patrom, mais consumimos a nossa existência, encaminhándo-nos rápidamente cara um fin próximo. Quanto mais trabalhamos, menos tempo fica-nos para adica-lo a actividades intelectuais ou ideais; menos podemos gostar a vida, as suas belezas, as satisfaçons que nos pode oferecer; menos desfrutamos das alegrias, dos prazeres, do amor.

Nom se pode pedir a um corpo canso e consumido que se adique ao estúdio, que sinta o encanto da arte: poesia, música, pintura, nem menos ainda que tenha olhos para admirar as infinitas belezas da natureza. A um corpo exausto, extenuado polo trabalho, esgotado pola fame e a tise nom lhe apetece mais que durmir e morrer. É umha torpe ironia, umha befa sanguinhenta, o afirmar que um home, depois de oito ou mais horas dum trabalho manual, tenha todavia, de por se, forças para se divertir, para gozar numha forma elevada, espiritual. So possue, depois da abrumadora tarefa, a passividade de embrutecer-se, porque para isso nom necessita mais que deixar-se cair, arrastar-se.

Pese aos seus hipócritas cantores, o trabalho, na presente sociedade, nom é senom umha condena e umha abjecçom. É umha usura, um sacrifício, um suicídio.

Qué fazer? Concentrar os nossos esforços para disminuir esta loucura colectiva que marcha cara o enervamento. É preciso pôr em guarda ao produtor em contra deste fatigoso afám, tam inútil como idiota. É necessário combater o trabalho material, reduzi-lo ao mínimo, volver-se vagos entanto vivamos no sistema capitalista baixo o qual devemos produzir.

Ser trabalhador honrado, hoje em dia, nom é nengum honor, é umha humilhaçom, umha tontaria, umha vergonha, umha vileza. Chamar-nos “trabalhadores honrados” é tomar-nos o pelo, é burlar-se de nos, é, depois do danho, agregar-nos a burla.

Oh soberbos e magníficos vagabundos que sabedes viver à margem das conformaçons sociais, eu vos saudo! Humilhado, admiro a vossa fereza e o vosstro espíritu de insubmissom e reconhezo que tendes muita razom em berrar-nos: “é fácil acostumar-se à escravitude”.

* * *

Nom!, o trabalho nom redime, senom que embrutece. Os belos cantos às massas activas, laboriosas, pujantes: os hinos aos músculos vigorosos: as aladas peroratas ao trabalho que enobrece, que eleva, que nos livra das mas tentaçons e de todos os vícios, nom son mais que puras fantasias de gentes que nunca colherom nem o martelo nem o escarpelo, de gentes que nunca dobrou o seu lombo sobre um junque, que jamais ganhou o pam com o suor do rostro.

A poesia consagrada ao trabalho manual nom é mais que umha irrisom e um engano que deveria fazer-nos sorrir, senom enchir-nos de indignaçom e rebeldia.

A beleza do trabalho... o trabalho que eleva, enobrece, redime! ...

Sí, sím! Mirade alá, ao longe. Som os operários que saem das fábricas, que xurdem das minas, que abandonam os portos, os campos, depois da jornada de trabalho. Mirade-os, mirade-os! Apenas as suas pernas podem suportar aqueles corpos derrengados. Escrutade essas caras pálidas, esmorecidas, extenuadas. Asomade-vos a esses olhos tristes, amortecidos, sem luz, sem vitalidade. Ah, os belos, os potentes músculos... a alegria dos coraçons polo trabalho que enobrece! ...

Penetrade naquela fábrica e observade-os na sua actividade. Parte integrante da máquina, estám constrenhidos a repetir por mil, por dez mil vezes o mesmo movimento, automáticamente, como a máquina, sem que case seja necessária a intervençom dos seus cerebros. Poderiam moi bem te-los deixado nas suas casas, dado que umha vez emprazados nos seus postos, continuariam igualmente os seus trabalhos. Nom conservam nada da própria personalidade, da própria individualidade. Nom som seres sensíveis, pensantes, criadores. Nom som mais que coisas sem espiritualidade, sem impulso próprio. Vam porque todos vam. Moven-se com ritmo uniforme, igual, sem independência. Se lhes ordenou ejecutar aquel movimento e devem faze-lo hoje, amanhã,… sempre!...como as máquinas!...

Temos chegado à destrucçom completa da personalidade humana no oitenta por cento da producçom moderna. Nom se atopam ja os artesanos, os artistas. A producçom capitalista, nom os pede, nom os precisa. Inventarom-se coisas para cada necessidade e máquinas para faze-lo todo, e chegamos ao ponto de ter que criar novas necessidades para poder fabricar novos produtos. Na realidade é isto o que já se fai e é por isto que a vida vai-se sempre complicando mais e o viver fai-se cada dia mais difícil.

Suprimiu-se a estética das coisas e nom se cria mais que em série, em montom. Educarom-se os gostos em linha geral; distribuirom-se nos individuos qualquer originalidade artística, qualquer antolho diferente, e alcançou-se – oh, prodígio da propaganda! – fazer apetecer à generalidade aquilo que aos capitalistas convem fabricar: umha mesma coisa para cada individualidade distinta.

Já nom se tem necessidade de seres que criem, senom de entes que fabriquem; já nom existem – ai! – artistas, operários intelectuais; so ficam operários manuais. Nom se pom mais a proba a nossa inteligência; em troques, mira-se se tendes bos músculos, se sodes vigorosos. Nom se mira muito o que sabedes, senom quanto podedes produzir. Nom sodes vos quem fazedes marchar a máquina, é a máquina a que vos fai marchar. E ainda que semelhe paradoxo! – e nom é mais que a pura realidade – é também a maquina a que “pensa” o que se tem que fazer, ficando-vos a vos so a obriga de servi-la, de fazer o que ela ensina. É ela o cerebro e vos o braço; ela a matéria pensante, criadora e vos a matéria bruta, autómata: ela, a individualidade, vos a... máquina.

Horror! Se umha so individualidade se introduzira no funcionamento da cadeia Ford, por ejemplo, ela destruiria toda a engrenagem da producçom.

* * *

Os operários nom som mais que presidiários. Ou, se vos vai servir de maior consolo, soldados aquartelados nas fábricas. Todos marcham ao mesmo passo; todos fam – pese à variedade dos objectos – os mesmos movimentos. Nom atopamos já nengumha satisfaçom nos trabalhos que fazemos; nom nos apaixonamos por eles, porque sentimo-nos completamente estranhos aos mesmos. Seis, oito, dez horas de trabalho, som seis, oito, dez horas de sofremento, de angústia.

Nom amamos, nom, o trabalho; odiamo-lo. Nom é a nossa libertaçom, é a nossa condena! Nom nos eleva e livra dos vícios; abate-nos físicamente e aniquila-nos moralmente até tal extremo que deixa-nos incapacitados para sustraernos a eles. Será necessário realizar istos trabalhos, sei-no, mas será sempre de ma gana se se quer manter também amanhã o presente sistema por economia de esforços. Será sempre sofrendo ainda quando a jornada seja reduzida a menos horas.

Eu nom sei que pensam os animais da carrega que se lhes coloca no lombo; pero o que sim sei dizer polo que observo e polo que por mim mesmo sinto, é que o home nom ejecuta com alegria, com verdadeira satisfaçom, mais que os trabalhos intelectuais, artísticos. Si quanto menos nom considerase malgastado e inútil o seu sacrifício, o home armaria-se de coragem e a sua fatiga pareceria-lhe menos amarga, menos dolorosa. Pero quando observa que todo o seu esforço é malgastado, que nom é senom o trabalho de Sísifo com innumeráveis desastres e sacrifícios em cada recaida, entom a coragem fuge do seu coraçom e em cada ser consciente, em cada ser sensível e humano, o ódio acende-se na contra deste bárbaro e criminal estado de coisas e a aversom e a rebeldia contra do trabalho é inevitável.

Comprende-se, entom, que existam os disconformes que nom querem dobegarse a esta escravitude repugnante. Comprende-se que existam os vagabumdos indomáveis que prefirem a incertidume do seu manhá – a maioria das vezes sem o mísero mendrugo acordado ao trabalhador constante – antes que submeter-se a este sistema humilhante. Comprende-se a boémia incorregível, sem génio se queredes, pero que nom forma parte no cortejo humilhante dos párias ... E comprende-se, também, aos grandes folgazans, os ociosos ideais que passando a sua vida em completa irmandade com a natureza, gozando ao contemplar as maravilhosas auroras, os melancólicos crepúsculos, colmando os seus espíritus de melodias que so umha vida simples e livre pode procurar-lhes, imponhendo silêncio às imperiosas necessidades do home por nom cair na escravitude na que nos estamos afundidos. Sentados ao borde do caminho observam com infinita tristeza, com profunda piedade, a negra caravana que todos os dias encaminha-se dócil e desfeita cara as fábricas – prisions que os engolem já exaustos e devolvem-nos pola noite feitos cadáveres.

E fugem, fugem istos ociosos ideais com o coraçom oprimido ao ver tanta estultícia, tanta miséria, tanta loucura. Fugem cara a vida livre, indócil, nom conformista dezindo-lhe ao seu coraçom que antes de submeter-se cada dia a esta vida miserável, vil e privada de elevaçom e espiritualidade, a morte é preferível.

Odiar o trabalho manual em régime capitalista, nom significa ser inimigo de toda actividade, como aceitar a expropriaçom individual nom equivale a fazer a guerra ao trabalhador-produtor, senom ao capitalista-explorador.

Istos vagabundos ideais a quem tanto admiro, tenhem umha actividade, vivem umha intensa vida espiritual, riquíssima em experiências, observaçons, goces. Som inimigos do trabalho, porque consideram malgastados em grande parte os seus esforços naquela direcçom; nom podem, polo tanto, submeter-se à disciplina que exige aquela espécie de actividade, e nom querem tolerar que se faga deles umha máquina sem cerebro, que se mate, em fim, neles aquela personalidade, que é quanto mais apreçam.

Entre istos vagabundos espirituais, – refractários à domesticaçom e disciplina capitalistas, – é necessário buscar os expropriadores, os partidários da expropriaçom individual, aqueles que nom querem aguardar a que as massas estejam preparadas e dispostas para cumprir o acto colectivo de justiça social. Estudando bem os matices psicológicos, éticos e sociais que determinam essa actitude neles, saberemos comprender, justificar e apreçar melhor os seus actos e também defende-los dos ataques biliosos de muitos daqueles que ainda compartilhando as mesmas ideias sobre muitos outros problemas, afanam-se em tirar fango sobre istos impacientes que nom sabem resignar-se até que chegue o dia da redençom colectiva.


O direito à expropriaçom individual nom se pode negar, baseándose sobre um certo direito colectivo à expropriaçom. Se fossemos socialistas ou comumistas bolcheviques, poderiamos negar ao indivíduo o direito de apropriarse – polos méios que estime mais convintes – daquela parte de riqueza que a él como produtor pertence. Porque os bolcheviques e os socialistas negam a propriedad individual e admitem umha so forma de propriedade: a colectiva. Pero este nom é o caso dos anarquistas, sejam individualistas ou comumistas, pois todos teórica e prácticamente admitem tanto a propriedade individual como a colectiva. E sim admite o direito à possessom individual, como poderia negar-se ao indivíduo o mismo direito a servir-se dos méios que cria oportumos para entrar em possessom do que lhe pertence?

Cada acredor (e este seria a caste produtora fronte à capitalista) toma pola gorja ao seu devedor na hora e na forma que mais lhe convenha, e se fai restituir o seu produto – o qual foi-lhe arrebatado com o engano e a violência – no menor tempo possível. O indivíduo, baseándose na liberdade, – e a liberdade é a doctrina da anarquia – é o único e so árbitro e juiz neste acto de restituiçom.

Tem-se admitido a oportumidade e a necessidade dum acto colectivo, dumha revoluçom social para expropriar à burguesia, e o indivíduo, ainda individualista, asociou-se voluntário a esta ideia, porque foi crência geral que um esforzo colectivo ia-nos livrar mais fácilmente da escravitude económica e política.

Pero desde há anos esta confiança tem decrescido em muitos anarquistas.

Tivo que admitir-se, ao fim, que umha verdadeira libertaçom, umha libertaçom profunda, anárquica, que arrincara da consciência das massas – com seguridade de nunca mais volver – o fetiche autoridade e permitira.nos instaurar um estado de coisas que nom violara a liberdade de cada quem, necessita forçosamente umha longa preparaçom cultural, por consequência, muitos anos ainda de sofrementos baixo a exploraçom capitalista. Disto derivou que muitos rebeldes nossos, que num primeiro momento abrazaram com entusiasmo a ideia dumha revoluçom expropriadora digeram-se – sem disasociar-se por isto do necessário trabalho de preparaçom revolucionária – que tal espera sinificava o sacrifício de toda a sua vida, consumida em condiçons odiosas e bestiais, sem nenguma alegria, sem goce algum, e que a satisfaçom moral dumha luita cumprida em pro da libertaçom humana nom era lenitivo suficinte para as suas próprias penas.

“Nom temos mais que umha vida – digeram-se no seu coraçom – e ésta precipita-se cara o seu fim com a rapidez do relâmpago. A existência do home com relaçom ao tempo nom é verdadeiramente mais que um instante fugaz. Si se nos esfuma este instante, se nom sabemos extraer-lhe o sumo que em forma de alegria pode dar-nos, a nossa existência é vá e desperdiciamos umha vida da que a sua perda nom nos resarcirá a humanidade. Polo tanto, é hoje quando devemos viver, nom amanhã. É hoje quando temos direito à nossa parte de prazeres, e o que hoje perdemos o amanhã nom no-lo pode restituir: está definitivamente perdido. Por isso é que hoje queremos gozar nossa parte de bens, é que hoje desejamos ser felices”.

Pero a felicidade nom se acada na escravitude. A felicidade é um dom do home livre, do home dono de sim mesmo, dono do seu destino; é o supremo dom do home, home que nega-se a ser besta de carrega, resignada besta que sofre, produce e está privada de todo. A felicidade obtem-se no ócio. Também se adquire com o esforço, pero com o esforço útil, com o esforço que procura maior benestar, aquel esforço que acrecenta a variedade das minhas adquisiçons, que eleva-me, que de verdade redime-me.

Nom há, por tanto, felicidade possível para o trabalhador que durante toda a sua vida está ocupado em resolver o terrível problema da fame.

Nom há felicidade possível para o pária que nom tem umha outra preocupaçom que o seu trabalho, que nom dispom senom do tempo que adica ao trabalho. A sua vida é bem triste, bem desoladora, e para poder suporta-la, arrastra-la, aceita-la sem rebelar-se, precisa-se, umha grande coragem o umha grande dose de cobardia.

Do desejo de viver, da desesperaçom íntima e profunda que nos coloca fronte à perspectiva de toda umha vida consumida, para benefício de gente indigna, da desolaçom sentida ao perder a esperança numha salvaçom colectiva durante a fugaz trajectória de nossa breve existência: he ai do que está formada a rebeliom individual; he ai de que lumes estám alimentados os actos de expropriaçom individual.


Triste, moi triste, é a vida do trabalhador inconsciente; pero, ai de mim!, a vida do anarquista é verdadeiramente trágica.

Se vos nom sentides todos os sofrementos, toda a desesperaçom da vossa trágica situaçom, permitide-me dizer-vos que tendes pel de coelho e que o jugo nom vos está tam mal. E se o jugo nom vos pesa; se pola vossa situaçom particular nom sentides a pressom direita do patrom; se, pese a todas as vossas superficiais lamentaçons, nom podedes viver sem o trabalho, porque nom sabedes como ocupar as vossas horas de ócio, e a falha dum trabalho manual, aburrides-vos terrivelmente; se sabedes aguantar a disciplina cotidiá da oficina, respeitar os contínuos reproches dos capataces imbéciles ou malvados, reventar de trabalho primeiro, e de fame depois, sem que sintades as ganas de abraçar ao mais odioso dos criminais, de chama-lo irmam e nom sentir-vos invadir a ternura cara o ofício de verdugo, vos nom tedes alcanzado o grado necessário de sensibilidade para compreender os sofrementos espirituais e os motivos sociais que determinam os actos de expropriaçom individual, – daquilos dos que eu falo – e ainda menos tendes direito de condenar-lhes.

Porque nom so o anarquista constata todo o odioso dum trabalho bestial, criminal e nom poucas vezes inútil para o seu bem e o da humanidade; nom so ve-se na obriga de participar él mesmo no mantemento da sua própria escravitude, a dos seus companheiros e a do povo em geral, senom que deve ejecutar este trabalho numha forma e condiçons tam horríveis, tam insoportáveis e cheias de perigo que a sua vida sinte-se ameaçada todos os intres da longa jornada; porque o seu trabalho, certos trabalhos que devem efectuar algumhas categorias de operários (e digo “categorias” porque há vários operários que nom conhecem a bestialidade e o perigo terrível de certos trabalhos ejecutados por outros trabalhadores), nom so implicam umha verdadeira escravitude, senom que asemelham-se a um verdadeiro suicídio.

No fundo das minas, ao carom das máquinas monstrosas, nas infernais fundiçons, no méio dos produtos malsanos, a morte está sempre ao assédio. Corpos que se volvem tísicos, pulmons envelenados, membros lacerados, corpos curvados, olhos privados da luz eterna, cráneos aplastados, e-che ai o que os honrados trabalhadores, a milhares ganham com o sudado pam. E nengumha piedade para eles, nengumha moral, nengumha religiom para conmover ao aproveitador que junta os seus milhons amassados com diários crimens cometidos para obter um pouco mais de benefício, para levar às suas caixas uns centavos mais.

É necessário, polo tanto, rodea-lo da nossa ternura, vaziar o nosso depósito lacrimógeno ante a ma fortuna que pode cair sobre a cabeça dalgum deles, polo feito forçado dalgum dos nossos!

Verdade, é que debemos monstrar-nos bos, humanos, generosos quando se trata de respeitar a bolsa ou a pel dos nossos inimigos, e boas bestas quando nossos inimigos fam-nos reventar.

De modo que individualmente, nom temos o direito de tomar nas nossas maõs a espada da justiça sem o consentimento colectivo? – Nom violedes a virginidade da moral comum com os vossos todavia nom santificados pecados! Um pouco de paciência, irmãos meus, que o reino do Senhor vidá para todos!

“Se tendes fame, grunhide, pero quedos: nos nom estamos ainda prontos. Se se vos apalea, rugide, mas nom vos movades: temos ainda chumbo nos pês. Se se vos massacra, depois de roubar-vos, alto ai! Volvede a cara ao ladrom, nos vos proclamaremos heroes. Pero se queredes recobrar o dinheiro sem o nosso consentimento, ainda que fosse com o vosso único risco, nom o fagades, porque entom nom seredes mais que vilhanos bandidos. É a moral, a nossa moral”.

Merda, entom!

E se me permitirá fazer umha pergunta, a seguinte: quando o capital rouba-me e fai-me morrer de fame, quém é o roubado e quém o que morre de fame: eu ou a colectividade? Eu? e por qué, entom, so a colectividade terá o direito de atacar e defender-se?

Eu sei que a acçom do expropriador pode-se prestar a muitas falsas interpretaçons, a muitos equívocos. Pero a culpa de todo isto, a responsabilidade pola falsificaçom dos motivos éticos, sociais e psicológicos que determinarom e determinan – na sua gram maioria – os actos individuais de expropriaçom, cae principalmente – em grande parte – sobre a mâ fe dos seus críticos.

Nom por isto quero soster que todos os seus críticos som de mâ fe, porque sei moi bem que existe gram parte de companheiros que crê sinceiramente que istos actos son nocivos aos fies imediatos de nossa propaganda. Quando falo de mâ fe, quero sinalar a aqueles anarquistas tam sectários e tam individualofobos, que a cada acto de expropriaçom empezam por chama-lo “roubo”, querendo com isto negar ao gesto qualquer base social e éticamente justificável desde o ponto de vista anarquista, para asocia-lo e pôr-lo em comum com todos aqueles individuos vulgares e inconscientes (em grande parte também excusáveis porque som productos genuinos do presente sistema social) que fam o ladrom com a mesma indiferência que fariam o verdugo se esta última profisiom lhes procurase aquilo que buscam.

Notanto, eu estou bem longe de justificar sempre e em todas as circunstâncias ao expropriador. Umha cousa que encontro condenável em certo número de expropriadores, é a corrupçom à que se entregam quando um bo golpe saiu-lhes bem. Em certos casos, admito-o, a crítica e a condenaçom estám bem justificadas, pero pese a todo isto, ela nom pode chegar mais lá daquela feita ao bo trabalhador que consume o seu soldo em borracheiras e prostíbulos, feito que, desgraçadamente, ocorre todavia e demasiado frequentemente entre os nossos.

Tem sido dito por certos críticos que a apologia do acto individual engendra em certos anarquistas o utilitarismo mesquinho, umha mentalidade estreita e em contradiçom com os princípios da anarquia, suposiçom tam antojadiza como dizer que cada anarquista que tenha contacto com elementos nom anárquicos, acaba por pensar em forma anti-anárquica.

Pero há umha coisa que nom quero olvidar de dizer, e é a seguinte: sendo a expropriaçom um méio para substraer-se individualmente à escravitude, os riscos devem ser soportados individualmente, e os companheiros que practicam a expropriaçom “per se” perdem todo direito – ainda que exista para as outras actividades anarquistas, e eu nom o crio – a reclamar a solidariedade do nosso movimento quando caem em desgraça.

A minha intençom neste estudo nom é a de fazer a apologia deste ou daquel feito, senom a de chegar às raices do problema, a de defender o princípio e o direito à expropriaçom, e o mal uso que certos expropriadores fam do froito das suas empresas, nom destrue o feito mesmo, como o feito de que existam perfeitos canalhas que se chamam anarquistas, nom destrue o contido ideológico da anarquia.

Examinemos umha mais grave acusaçom, a condena máxima: aquela que sostem que os actos de expropriaçom individual atentam contra os princípios anarquistas. Tem-se chamado aos expropriadores, parásitos, ¡e é certo! Som parásitos; nom produzem nada. Pero som parásitos involuntários, forçados, porque na presente sociedade, nom pode haver mais que parásitos ou escravos. Nom há dúvida algumha que som parásitos, pero o que ninguém poderá fazer é chamar-lhes escravos. Os escravos, em troques, na sua gram maioria, som também parásitos muito mais costosos que aqueles. E o parasitismo desta maioria de produtores é muito mais imoral, cobarde e humilhante que aquel dos expropriadores.

Abandonei esta luita depois da minha detençom. Pero volvim-na a empreender durante os trabalhos forçados doutra forma e com outros méios. Nom crio que o ilegalismo poida liberar ao indivíduo na sociedade presente. Se com esse méio alcança a liberarse dalgumhas servidumes, a desigualdade da luita impom-lhe outras ainda mais duras conlevando, ao final, a perda da liberdade, da pouca liberdade que desfrutamos e, as vezes, da vida. No fundo, o ilegalismo considerado como acto de revolta é mais um assunto de carácter que de doutrina. É por isso que nom pode ter nengum efeito educativo sobre o conjunto das massas trabalhadoras. Refiro-me a um bo efeito educativo.
Alexandre Marius Jacob, 1948


Chamaredes produtor, trabalhador honrado ou parásitos a aquel que está empregado na fabricaçom de joias, de tabaco, de alcol, ou ocupado nel “far la...serva al prete”? (“fazer-lhe de servinta ao cura”).

Diram-me que este parasitismo também é imposto, que a necessidade de viver obriga-nos, ao nosso pesar, a someter-nos a esta actividade negativa e danhina. E com esta pobre escusa, com este cobarde pretexto ganha-se o pam nosso, de jeito vergonçoso e até criminal. Verdadeira cumplicidade no delito; criminalidade nom inferior a aquela dos primeiros responsáveis: os burgueses.

E depois de todo, poderes negar que rejeitar a colabourar nos embrolhos deste regime criminal, nom é muito mais anárquico que o primeiro? Poderes negar, acaso, que os dois terços da povoaçom das nossas metrópolis sejam parásitos?

É inegável que se por produtores calculam-se só aqueles que estám ocupados numha produçom verdadeiramente útil, a humanidade, na sua grande maioria, debe-se considerar parásita. Trabalhedes ou nom trabalhedes, se nom formades parte da categoria dos campesinos ou das poucas categorias verdadeiramente utis, nom podedes ser mais que parásitos, ainda que vos creades trabalhadores honrados.


Entre o parásito-trabalhador que se somete à escravitude económico-capitalista e o expropriador que se rebela, prefiro a este último. Este é um rebelde em acçom, o outro é um rebelde que ladra, pero... nom morde, ou morderá só o dia da santíssima redençom.

Dividido o esforço entre toda a colectividade, dois ou tres horas de trabalho ao dia seriam suficintes para produzir todo quanto se necesitaria para levar umha vida folgada. Temos, polo tanto, direito ao ócio, direito ao repouso. Se o presente sistema social nega-nos este direito é preciso conqueri-lo por qualquer méio.

É triste, em verdade, o ter que viver do trabalho doutros. Prova-se a humilhaçom ao sentir-se igualados aos parásitos burgueses, pero saboream-se também grandes satisfaçons.

Parásitos sim; pero nom se bebem as amargas fezes da sabida vileza, da consentida expresom, nom se sintem os tormentos de saber-se um daqueles que, humilhados vam juntados ao carro do trunfador, regando o caminho com o seu próprio sangue; um daqueles que oferecem riquezas aos parásitos e morrem de fame sem ousar rebelar-se; um daqueles que construem palácios e vivem em tugúrios, que cultivam o trigo e nom podem quita-la fame aos seus; um da multitude anónima e envilecida que se ergue num segundo ao receber o golpe do amo, pero que se somete todos os dias, conforma-se com o estado social actual e, deposta a sua momentánea actitude, tolera, ajuda e ejecuta todas as infámias, todas as baixezas.

Nom produtores, é certo, mas nom cúmplices. Nom produtores, sim; ladrons se queredes – se a vossa poltroneria tem necessidade doutra ruindade para se consolar, – mas nom escravos. Desde hoje, cara a cara, amosando os dentes ao inimigo.

Desde hoje, temidos e nom humilhados.

Desde hoje, em estado de guerra contra a sociedade burguesa.

Todo, no actual mundo capitalista, é indignidade e delito; todo da-nos vergonça, todo causa-nos náuseas, da-nos nojo.

Produce-se, sofre-se e morre-se como um cam.

Deixade, quanto menos, ao indivíduo a liberdade de viver dignamente ou de morrer como home, se vos queredes agonizar em escravitude.

O destino do home, digera-se, é aquel que él mesmo sabe forjar; e hoje nom há mais que umha alternativa: ou em rebeldia ou em escravitude.

Briand
Afirmación (Montevideo) 1933

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